Os da da linha diamante não se dão com os da linha rubi. Cada linha tem sua mercadoria e seu preço, se cê chega com um refri de 350ml na linha que os caras vende a de 220ml, e ainda com o mesmo preço, vai arranjar treta. Nessa linha é salgadinho, lá pra Guaianazes os marreta vende mesmo é bolsa. E fica assim, vagando. De uma estação pra outra, aí volta. Não fica andando muito mais que isso não. E vai o dia inteiro. Tem estação pra descansar, outra melhor pra vender, outra que sai quando for dia de rolê.
“Água mineral gelada, Pepsi, Guaraná Antártica e Skol”, “amendoim doce, amendoim salgado”, “Batata, pururuca é só um real”, “Chocolate na promoção, kit kat”, “você não é você quando está sem sua smoke”, “fone, carregador, cabo USB”. Quem lê estas frases imagina estar andando pela rua 25 de março, mas todas estas mercadorias são vendidas pelos ambulantes, também conhecidos como marreteiros, dentro dos trens que cruzam a cidade de São Paulo. Os marreteiros marcam presença principalmente nas linhas longas, como a linha 7-Rubi (Luz/Jundiaí) e 11-Coral (Luz/Guaianases).
O sistema é administrado pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que até tenta coibir este comércio com equipes de segurança uniformizadas (os marronzinhos) ou sem uniformes (a paisana), porém com a crise e o desemprego este mercado tem ajudado muitas pessoas a conseguirem uma renda extra e fixa, sustentado a família e pagando os estudos. A própria CPTM confirma que este comércio tem dado sinais de aumento por causa da crise econômica que passa o país.
«OS URUBUS»
Os marrom tão de olho sempre, são os mais sério. São os PF, p-o-l-ic-i-a-l-f-e-r-r-o-v-i-á-r-i-o. A tia levou uns tiros semana passada, porque saiu correndo dos PF. Trabalha de marreta há 25 anos, acredita? Os caras não tem dó não. E às vezes as pessoas do trem cagueta. Os verdinho são mais suave, guardinha do trem mesmo, entende que a gente tá aqui pra trabalhar, respeita mais.
O comércio ambulante nos trens e estações não é permitido, porém esta prática não é crime previsto em Lei. A pessoa flagrada vendendo os produtos tem a mercadoria apreendida pelos marronzinhos e é colocada para fora da estação, muitas vezes com agressividade, como relatam muitos marreteiros.
“Além de prenderem nossa mercadoria, eles fazem questão em dar uma surra antes de nos liberar. É ruim ter que ficar correndo dos guardas o dia todo porque estamos trabalhando e não estamos prejudicando ninguém. Pergunta lá para os passageiros o que eles acham, a maioria gosta de nós”, reclama um marreteiro que não quis se identificar.
A movimentação de mercadorias é intensa e estes vagões passaram a ser conhecidos como “shopping trem”. Para a CPTM, a solução para acabar com este comércio passa pela conscientização dos usuários no sentido de que eles não comprem produtos no interior dos trens, pois a empresa informa que os usuários correm riscos ao adquirir produtos de origem duvidosa.
Mas conforme informou o marreteiro que não quis se identificar, a grande maioria dos usuários defende este comércio e em situações de apreensão pela fiscalização, os passageiros até ajudam escondendo as mercadorias para não serem apreendidas. Um exemplo clássico: quando o trem para em uma estação onde há fiscalização, os marreteiros guardam as mercadorias em mochilas e deixam com os passageiros que estão sentados. Assim que a porta fecha e o movimento é liberado eles retomam suas mercadorias e voltam ao trabalho rindo da própria sorte.
A cena se passa embaixo de São Paulo, nos trilhos dos trens da CPTM.
ATO I
O trem chega. As pessoas correm para conseguirem entrar no vagão a tempo e os que saem do vagão também saem correndo porque tem pressa. Entre essas pessoas, estão os marreteiros.
(Apito eletrônico das portas dos vagões fechando.)
Quando a porta fechou, o marreta olha para os lados, se não tem guardinha, fechou, na surpresa, saca da mochila os produtos. E começa o espetáculo.
MARRETA
Ei pessoal, a porta fechou, o perigo passou, o marreteiro chegou. Esse preço você não encontra lá fora!
ATO II
Estação da Luz.
O marreta guarda o dinheiro no bolso, guarda os produtos na mochila. As portas abrem, sai já olhando se tá tranquilo. Tem PF, vão atrás porque já sabem. O marreta sai correndo. Joga a mercadoria pelo muro da estação, pula, se agarra na construção e consegue sair. Os PF vão atrás mas uma hora desistem. Quase.
Enquanto isso…
Uma outra marreta já vai com um sacolão. Os PF também vão atrás dela, nem dá tempo de correr. Pegam toda a mercadoria, falam umas porcarias e vão embora. Ela tem 18 anos, está na oitava série e vai começar o EJA ano que vem. Mas agora tem que subir pra comprar mais mercadoria. Amanhã tem que trabalhar mais porque hoje perdeu tudo.
PRECARIZAÇÃO
As vezes é a única opção, cê tá desempregado, um monte de gente pra sustentar, mãe, filha, irmão que tá preso… não pode fazer besteira. Outras vezes tá até empregado, mas emprego ruim. Ela aqui trabalhava oito horas no dia vendendo plano odontológico, ganhava 300 reais por mês. Aqui não ganha muito, mas mais que isso ganha. Ele ali trabalhava de puxador, 30 reais por dia, aqui dá mais também. Se bem que tem ficado difícil. Faz mais ou menos um ano que aumentou muito o número de marreta. Muita gente com a mesma mercadoria, muito mais policial, uns a paisana, tá foda.
Há 10 anos vendendo produtos no trem, o morador de Franco da Rocha, Thiago Henrique, 33 anos, afirma que percebeu o aumento de marreteiros nos vagões nos últimos anos. Para ele que está prestes a iniciar o curso técnico de enfermagem, o crescimento de ambulantes está ligado diretamente ao desemprego. “Muitos vêm aqui para fazer um bico por alguns dias e levantar um dinheiro, mas a maioria está aqui porque está desempregada”, diz Thiago, que vendendo batatas e halls irá pagar seus estudos.
Outro fator que tem levado muitas pessoas a vender produtos no trem são os baixos salários e precarização do trabalho nas empresas. No trem, o marreteiro faz o seu próprio horário e pode acabar lucrando mais do que um salário mínimo oferecido por muitas empresas para quem não possui um curso técnico ou superior. “Tem dia que consigo vender até 100 carteiras percorrendo as linhas 7, 8 e 11. É uma correria que começa de manhã e vai até a noite, mas vale muito mais a pena do que trabalhar em firma.”, revela o experiente marreteiro que está há sete anos dentro dos trens.
RECADO
ATO FINAL:
Ela vem com mercadoria pendurada no pescoço, em várias cores diferentes, é alguma tecnologia nova. Tá na estação Julio Prestes, mas vem lá de Francisco Morato. Já é mais velha, deve ter uns bons anos trabalhando aqui. O moleque do lado tá há um mês. Vem as vezes, quando precisa mais em casa. Nas férias é moleque aqui o dia inteiro, pra surfa no trem. Os irmãos vendem na rua, são mais velhos. Aqui ele se dá bem, segura a porta pras pessoas que vem correndo desesperadas pra entrar no vagão, faz amizade com os marreteiros, tudo é amigo, se ajuda, até grupo no whatsapp tem. Em dia de operação vão se avisando pra ninguém perder mercadoria, fica muito difícil trabalhar.
RZO – O Trem
Matéria por: Mauro ___, Leonardo ___, Paula ___, Sophia Noronha e…?
OPINIONES Y COMENTARIOS